Ganhei um livro de poemas, que me foi enviado com muito apreço pelo escritor Naelson Almeida. Daqueles, com direito à dedicatória (sincera), escrita em letra tão bem desenhada, como não via há tempos. Envolvido com as artes como sou, logo me vi ilustrando (mentalmente) suas páginas. Para mim, há uma relação intrínseca entre imagens e palavras. Palavras, tanto ditas quanto escritas, sempre me despertam algumas imagens. Imagens, por conseqüência, trazem todas as palavras inerentes a elas.
Aconteceu de as minhas imagens despertarem algumas palavras ao Naelson e cá estamos nós. Não é por coincidência que sintonizamos as mesmas imagens e palavras. Lá pelos arredores de Catu/BA, a paisagem é muito parecida com a minha, e é por onde anda e vive o Naelson. Segundo o próprio, minhas imagens despertaram sentimentos do convívio dele e esta cumplicidade fica bem nítida em muito do que ele escreve. Sinto já ter pintado algo do que ele descreve, assim como ainda pintarei algumas palavras que o inspirarão no futuro.
Actus Nefandus tornou-se assim, meu livro de cabeceira dos últimos tempos. Já li e reli vários poemas antes que o sono chegasse, e separei 4, entre as muitas preciosidades que por lá estão.
JOSÉ ROSÁRIO - De volta pra casa - Óleo sobre tela - 60 x 80 - 2010
VESPERTINO
Tarde que passa a sombra, o sol, o açoite,
Tarde afastada da podre contaminação,
Tarde molhada de orvalho pela manhã já longe,
Tarde, somente a tarde onde descansa meu coração.
Tarde, viva ainda em minha sílica mente,
Como viçoso limo no frescor da correnteza,
Dá-me o prazer de tua constante presença,
Ó limitada, ponte, fruto na devesa.
Canção de ninar, dança do campo – não há quem pague!
Uma vontade sagrada, supremacia que me arde,
E por onde adiante eu for, este prazer não esquecerei
Daqui, minha símil matéria será tarde.
JOSÉ ROSÁRIO - Ribeirão Mumbaça, Dionísio
Óleo sobre tela - 40 x 30 - 2013
OBLÍVIO
Prefiro pensar em árvores,
no rio que corre,
na história que inventarei...
A pensar em gente.
Canções magníficas,
frutos deliciosos
e a infindável paz de gado pastando.
A vida nada mais é senão isso:
um trago, um gole, uma pescaria
e um longínquo pensar
onde reles mortais jamais alcançam.
Precisamos reviver,
enlacemos as mãos,
desarmemo-nos.
JOSÉ ROSÁRIO - Beira de lago - Óleo sobre tela - 60 x 100 - 2011 - Detalhe
AINDA CHOVE
Abro a porta,
Olho em volta,
O esquecimento é mesmo tão fugaz,
Emaranhado de seres que se juntam,
Se alimentam e crescem,
Descendem e espreitam,
Irracionalmente amam.
Meu espaço abrange,
A silhueta dos sonhos,
Os dias chuvosos,
Os pássaros, as flores, o vento...
O camarim onde os loucos chovem,
Transborda minha aura,
Alimenta-me
Consome-me,
Busca minha maior indumentária,
Para desfilar de parvo nas avenidas
E me iludir com os aplausos
Que por descuido ouço.
Não é assim mesmo?
Tenho que ir,
Esse momento não mais me merece,
Vou afundar nos reflexos, mistérios,
Esperar-me, revoltar-me, iludir-me...
Ainda chove no camarim dos loucos.
JOSÉ ROSÁRIO
A fartura da tua mesa tem o tamanho da tua luta
Óleo sobre tela - 65 x 46 - 2005 - Detalhe
UM POEMA
Quero (d)escrever um poema
Com o que vejo diariamente,
Não um poema cotidiano.
Um poema Cometa Halley,
Vacina anti-tetânica,
Um poema com suas inutilidades.
Um poema com letras garrafais,
Mas, um poema normal; não berrante.
Um poema que para usa-lo e senti-lo,
Não seja preciso agitar nem anfetaminas,
Mas, não um poema careta.
Um poema com fast food
E gozo duplo no final.
Um poema banal,
Mas, que sirva para alguma coisa:
Relaxar,
Descontrair,
Rir,
Colorir...
Um poema que não seja bula de remédio,
Mas que também não seja papel higiênico – usado.
Um poema que não seja a bíblia,
Mas, que dê o seu recado.
Um poema apenas.
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O autor também já publicou outros trabalhos em parceria com escritores baianos. Seu livro pode ser adquirido diretamente com ele.